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Palmatória... Graças à palmatória de Dona Francina, cheguei alfabetizado na primeira série. No final da primeira semana de aula, entrei em casa desesperado, chorando, chorando muito. Mamãe, que não esperava a resposta das perguntas que eu fazia, com a mão doidinha pra fofar meu cocoruto com um cascudo, gritou: - O que é tu fez, Francisco Flávio? Francisco Flávio era a senha que abria a porta de uma boa surra. - Eu não fiz nada, mamãe! Dona Eudália me mandou ir pra casa mais cedo - sem ver nem pra quê - e disse que eu não ficaria mais naquela turma, que eu iria para a segunda série. Mamãe - sem entender bolhufas - recolheu a mão, que já estava a meio caminho do cascudo, e trocou por um safanão. Vupt! Arrastou-me pelo braço, e, em pouco tempo, já na escola, Dona Eudalia livrou-me da coça que ficara guardada nos fios de uma corda de agave, bem fininha... - Izinha, fique calma! Teu menino está adiantado em relação à turma. A direção da escola resolveu m...
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Cagão... O pó do giz que morria na lousa dava luz a arte que vivia em mim. O grito da campainha anunciou a pausa entre as aulas daquela tarde. Todos voaram para o pátio; eu, para o quadro de giz - como de costume. Entretido com os meus desenhos pueris, de costas para o vazio da sala, acostumado com a solidão do recreio, soberano disparei um pum, punzinho básico, inofensivo, calmo, taciturno. Pum de monge em filme mudo. "Um peidim fuleiro", como diria Arnô de Zacarias. Na imediatez da flatulência, senti um fiapo de quentura invadir-me as partes. "Vôte!". Desconfiado, levei a mão direita até a região glútea, no encontro traseiro das pernas com o tronco, no bleforé dos traques, no alcantil das costas... na bunda. Pronto, falei! Constatei com o tato que o pum era líquido. Oxe! Pum líquido? O "fie duma égua" do cérebro, com a resposta pronta, ainda zombou do olfato, levando minha mão até o nariz, que recebeu o dissabor de um veredito fétido. Que ...
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Geleia de Mocotó... Meus olhos brilharam ao enxergarem a salvação... Era Início dos anos oitenta. Inventei de ser goleiro, no futsal da sexta série. Estava hipnotizado em frente à TV, preto e branco, de Dona Jura, nossa vizinha no Beco Estreito: - Mocotó inbasa, ajuda a vencer! - Dizia a voz masculina no comercial.  - O Júnior fica com a geleia... - Enfeitiçava a voz da mãe... - E a mãe, fica com o copo! - Era a peste do Júnior. Do corpo, só se via o dedo tocando um copo de vidro que fazia "plim", irrandiando o maior de todos os brilhos. Mesmo com o orçamento estourado, não foi difícil convencer mamãe a liberar a caderneta pra eu fazer um fiado lá no mercado de Jairo. Depois que eu ficasse forte, ela ganharia um copo novinho em folha. A camisa azul que Ricardo de Aragão me emprestou era tão fofinha que eu nem precisava de geleia... Mas, não podia abrir mão do manjar que me transformaria no maior goleiro da face da terra. Com gana, abri o potinho de g...
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Papa Hóstia... A farinha vivia de mancebo com meu bucho: dançava na gemada, inchava no café, embolotava no pirão, no escaldado de leite, no caldo da caridade; gemia no capitão, corava na malassada; fingia, na tapioca... Casava-se: farinha com açúcar, farinha com rapadura, farinha com banana, e, farinha com farinha - o pior dos encontros. Não sei por que ainda sou louco por essa danada. Diante da certeza farinácea de nosso cardápio, desenvolvi uma espécie de obsessão pela hóst ia do Padre João Câncio. As missas dominicais eram um suplício. Mamãe, com uma rênquea de filhos, pedia sempre por dias melhores; eu, queria um ror de hóstias amaciando minha pança: -- Só quando fizer a primeira comunhão! Mamãe dava a vida por nós, mas não fazia o menor esforço para dividir aquele manjar de Deus comigo. Por quê? Comia a hóstia sozinha. Caladinha. Ajoelhada. De olhos fechados. Nem mastigava! Comi todas as hóstias da igreja... Estava empanturrado...Descoberto, escapei do chi...
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A Mala... As ondas da Rádio Educadora rasgaram os ares da Chapada do Araripe; passando por Bodocó, foram captadas pelas antenas de um atento aparelho Motoradio, à pilha, que alguém nos emprestara. Os tímpanos apreensivos lá de casa, abarrotavam a latada de vara de marmeleiro sobre a qual descansava um pé de maracujá: -- Francisco Flávio Leandro Furtado! bradou a voz histórica de Elói Teles. Euforia geral. Dali a sessenta dias, eu seria o mais novo interno do Colégio Agrícola  do Crato. Alguns minutos depois da notícia alvissareira, mamãe começou a arrumar meus panos de bunda... A princípio uma mochila jeans, seria meu guarda-roupas. Não coube! Uma pequena mala de couro sintético foi acionada. Não deu! Uma caixa de óleo "Du Reino" foi chamada às pressas; neca de pitibiribas! -- Um homem prevenido vale por dois, meu filho! Foi a negativa de mamãe ao meu pedido por uma bagagem módica. No coração dela caberia tudo; preferiu ocupar a mal...
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Merci Bocu... Apesar do fascínio pelo romantismo da língua francesa, preferi dedicar os cinco meses de estudos ao inglês. Além do show em Paris, passaríamos por Londres, Barcelona e Tânger, no Marrocos. O meu contato mais próximo com o francês deu-se por escutas sazonais de algumas palavras tomadas pelo nordestinês: das quadrilhas juninas - anavantu e anarriê; das piadas pueris - merci bocu e nê pá dê quá; da matutagem - o famoso "zé finim". Afora estes vocábulos, eu só seria entendido em franciú se soltasse um sorriso, um afago, um aceno, um peido e outras mungangas mais, filhas da universalidade humana. Eu e Cissa assumimos com nossa caçula o compromisso de fotografar o museu de Édith Piaf, famosa cantora da Cidade Luz. Nem o Museu do Louvre passaria à frente. A Torre Eiffel não tem como: de tão enxerida, vê-se até dormindo. Chegando à Rua Crespin du Gast, 5, Paris, fui surpreendido com um prédio sem traços de museu, um tanto negligenciado. Senti-me no Brasi...