Cagão...
O pó do giz que morria na lousa dava luz a arte que vivia em mim.
O grito da campainha anunciou a pausa entre as aulas daquela tarde. Todos voaram para o pátio; eu, para o quadro de giz - como de costume. Entretido com os meus desenhos pueris, de costas para o vazio da sala, acostumado com a solidão do recreio, soberano disparei um pum, punzinho básico, inofensivo, calmo, taciturno. Pum de monge em filme mudo. "Um peidim fuleiro", como diria Arnô de Zacarias.
Na imediatez da flatulência, senti um fiapo de quentura invadir-me as partes. "Vôte!". Desconfiado, levei a mão direita até a região glútea, no encontro traseiro das pernas com o tronco, no bleforé dos traques, no alcantil das costas... na bunda. Pronto, falei! Constatei com o tato que o pum era líquido. Oxe! Pum líquido? O "fie duma égua" do cérebro, com a resposta pronta, ainda zombou do olfato, levando minha mão até o nariz, que recebeu o dissabor de um veredito fétido.
Que nem estátua, feito manequim giratório em expositor de loja, ainda com a mão nas ventas, girei meia volta ao redor da catinga. Temi não estar sozinho. Olhei de soslaio: tum tum tum! O coração quase saiu pela boca, no instante cruel em que minhas retinas captaram o sorriso acusador do colega Fábio de Enézia:
- Cagou! - disse o ganhador, isolado, na loteria da mangofa.
Culpado - aliás, cagado - parti pra casa, veloz, feito teiú mordido de cobra, atrás de batata.
Depois de quinze dias sem assistir aulas, encorajado por mamãe, voltei à escola:
- Cagão, cagão, cagão! - reverberou a turma, em uníssono! Aparentando uma final de Fla-Flu no gramado dos meus tímpanos.
Mais quinze dias de faltas. Papai pediu socorro a Dona Lenisa, nossa diretora:
- Vou resolver isso, Teté - disse ela, sossegando papai, zelador na escola da qual me evacuei. Digo, na qual evacuei... Ah! tanto faz, a merda já estava feita mesmo.
Entramos os quatro na sala de aula. Um silêncio gritante. Eu, papai e mamãe ficamos em fila, em posição de sentido, na frente dos meus colegas. Situação filha da puta! Nunca pensei que um peido fizesse um estrago desses. Se a diretora não botasse um cheiro no imbróglio, meu pum iria feder até na suprema corte do país. Num ria, não!
Entre nós e a turma, Dona Lenisa caminhava calma, serena, mãos para trás, andar macio, pé ante pé, óculos pendurados no pescoço, cabeça inclinada para frente, olhar observador... Parou em frente a mim. Pôs a mão em minha cabeça e decretou:
- Ninguém!... Repito: ninguém!, nesta sala, vai mais chamar Flavinho de cagão.
Rsrsrs...
Cheirando a desistente, escapei fedendo da reprovação.
Fummmmmmm...

#somosforró

Revisão: Manu Leandro











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