Papa Hóstia...

A farinha vivia de mancebo com meu bucho: dançava na gemada, inchava no café, embolotava no pirão, no escaldado de leite, no caldo da caridade; gemia no capitão, corava na malassada; fingia, na tapioca... Casava-se: farinha com açúcar, farinha com rapadura, farinha com banana, e, farinha com farinha - o pior dos encontros. Não sei por que ainda sou louco por essa danada.

Diante da certeza farinácea de nosso cardápio, desenvolvi uma espécie de obsessão pela hóstia do Padre João Câncio. As missas dominicais eram um suplício. Mamãe, com uma rênquea de filhos, pedia sempre por dias melhores; eu, queria um ror de hóstias amaciando minha pança:

-- Só quando fizer a primeira comunhão!

Mamãe dava a vida por nós, mas não fazia o menor esforço para dividir aquele manjar de Deus comigo. Por quê? Comia a hóstia sozinha. Caladinha. Ajoelhada. De olhos fechados. Nem mastigava!

Comi todas as hóstias da igreja... Estava empanturrado...Descoberto, escapei do chicote... Esbaforido, busquei, em vão, a água de minha sede:

-- Acorda, Flávio! Vem tomar teu café, menino! Mamãe salvou-me do pesadelo da hóstia; devolveu-me ao da farinha.

Afora o apetite incomum, passei fácil no catecismo de Dona Geracina e na confissão...

Primeira eucaristia:
-- O corpo de Cristo! Disse o padre. 

Segui o ritual da comunhão, a capricho! A hóstia derreteu vagarosamente em minha boca. Estava em êxtase. Em pensamento, vacilei:

-- Hóstia pequena da muzenga, oxe! Cadê domingo que não chega?

Em casa, outro vacilo custou mais caro:

-- Mamãe, o corpo de Cristo é tão insosso, né? 

Um movimento brusco de mão, calou-me a boca num doloroso casamento de dedos, lábios e dentes.

-- Já pecou! Só vai receber o corpo de Cristo novamente, quando se confessar! Lá se foi meu banquete de uma hóstia só.

Confessei-me algumas vezes...

Pelo ázimo, tornei-me coroinha... Quis ir à desforra com a safra de hóstias lá na roça da sacristia, mas calculando a largura do pecado, temi o comprimento da confissão e a altura da pena: Deus me livre! Cruz, credo!

Com os trocados que Padre João nos dava ao término da missa, encontrei novos sabores para minha gula de criança: o pastel de Eloísa, o alfinim de Dona Lourdes, o pão com creme de Dona Neuza, o quebra-queixo de Seu Arlindo, o sorvete de Dido, a farinha de...êpa...farinha? De novo? Tá com a gota!

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